Thursday, March 01, 2007

Sopro Divino


Algumas obras deixam-nos a sensação de uma real experiência do divino, como se estivéssemos perante algo que não pode ser resultado da concepção isolada do Homem. Duas explicações possíveis: ou se tratam de verdadeiras intervenções dos Deuses ou os humanos que as escreveram trocaram dois dedos de uma conversa muito privilegiada. Esta experiência, a da transcendência, consiste na diferença essencial entre a música clássica e as restantes, entre as quais se inclui também o jazz.

Entre os Homens que usufruíram de tão cobiçada conversa encontram-se seguramente Bach, Mozart e Mahler. É certo que pela própria característica da sua música, do tempo em que viveu e dos textos que musicou, Bach é um candidato natural para este estatuto. O mesmo porém não se aplica à música de Mozart, cujas composições raramente assumem um carácter religioso, mas que ainda assim remetem-nos para o “significado do mundo” de que fala Hermann Hesse (ver post abaixo), para a sua beleza última, para o derradeiro estado de confiança. Já em Mahler, a presença mística é tão evidente que é quase absurda qualquer tentativa da sua demonstração. Mesmo o Mahler mais negro, mais próximo da morte (Sinfonia nº9, A Canção da Terra...), fala-nos não da decadência da carne, mas sugere antes uma certa intimidade com Deus (ainda que trágica), uma experimentação viva do sobrenatural.