Nós, portugueses, devíamos procurar divulgar um pouco mais a nossa cultura. Entristece-me o facto de ver a pouca quantidade, e não melhor qualidade, de gravações de música erudita portuguesa.
Recentemente, tive a oportunidade de escutar, com a devida atenção, a Sinfonia À Pátria op. 13 de Vianna da Mota, composta em 1895 e editada em 1908 no Brasil.
Esta é considerada a obra mais importante deste compositor. Vianna da Mota foi, sem dúvida, um dos maiores pianistas do seu tempo, bastante respeitado por Listz, seu professor.
Creio que, se este compositor fosse alemão, seria bem conhecido e aclamado por esse mundo fora. Da mesma forma, creio que se Beethoven fosse português talvez só encontrássemos algumas das suas obras nas edições da Strauss.
É possível que esteja a exagerar. O que quero exprimir é a minha frustração em ver a nossa cultura tão pouco divulgada, mesmo entre nós portugueses.
Penso que, depois de conhecermos os nossos compositores, profundamente ligados à nossa poesia, ficaremos certamente apaixonados por esse Portugal tão desconhecido e ignorado. Aí, passaremos a respeitar profundamente a sua cultura, a sua história e até a sua espiritualidade tão própria, pondo de lado os preconceitos ideológicos.
Depois de descobrirmos o que há de tão original na nossa cultura – que se reflecte na literatura, na poesia, na arte, como um brotar de uma identidade bastante rica e exclusiva – passamos a acreditar que este país tem muito para oferecer ao mundo, principalmente ao mundo globalizado.
Esta ideia não é minha, pois está explicitada por vários poetas lusitanos. O Pe. António Vieira, por exemplo, exprimiu-a no conceito de Quinto Império. Trata-se de um império não colonizador, respeitador das diversidades culturas. Um império de valores, de cultura, de humanismo, de civilização. Um império que não vive fechado em si mesmo, mas que se quer abrir ao resto do mundo, doando-se a ele através do mar sem horizontes definidos.
É o brotar de uma nova espiritualidade, de uma nova utopia, onde Deus e o Homem se abraçam e, lado a lado, constroem um mundo sem limites. Penso que, com esta Sinfonia, Vianna da Mota embalou neste sonho profundo.
Cada um dos quatro andamentos é a expressão musical de versos de Camões.
O primeiro andamento é bastante vivo, enérgico até, sonoramente rico pela variedade instrumental. Tudo isto nos mostra a força da nossa cultura, que não se fecha em si mesma. É esta cultura, expressa no primeiro andamento, que se abre no mar calmo e sereno, quase místico, do Adagio molto. Seguindo a mansidão melódica, reforçada pela docilidade dos sopros, chegamos ao terceiro andamento. Aqui, Vianna da Mota, influenciado pelo nacionalismo russo, aproveita duas canções populares portuguesas, uma de Viseu e outra da Figueira da Foz.
No último andamento, aplica-se à Pátria o dinamismo pascal de morte e Ressurreição. A luta contra a decadência dessa cultura tão rica, irá desplotar num ressurgimento, numa Ressurreição da Pátria. Sobre a sonoridade escura dos fagotes, seguem-se os violinos a reforçar a queda da pátria. É então que aparece o solo do clarinete-baixo, a deformar o tema inicial da sinfonia. Dando a sensação de tentar tocá-lo correctamente, numa luta contra o resto da orquestra. A luta vai-se desenvolvendo com outros instrumentos, como a flauta, que se aproximam cada vez mais do tema original, o motor de toda a sinfonia.
Por fim, o tema reaparece, com uma vitalidade redobrada, num andamento Maestoso, vivo e expansivo. Volta-se, portanto, à origem da sinfonia.
Este andamento, onde Vianna da Mota escreveu «Decadência-Luta-Ressurgimento», desplotou em mim o desejo de ver musicado um grande poema de Pessoa:
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce,
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!