Tuesday, December 16, 2008

Música erudita é subjectividade! Post II – O fracasso da música matemática.


Assumindo o que no post I foi dito, torna-se fácil perceber a razão do fracasso de alguma composição moderna que exclui do seu âmbito o principal componente de qualquer composição, o coração, elevando a razão, e em particular o pensamento matemático, a elemento central do discurso.

Contudo, não se pense que quero com isto dizer que a música se deve resumir a uma colecção mais ou menos desordenada de sentimentos, muito pelo contrário. Consideremos, a título de exemplo, Gustav Mahler. De facto, se é verdade que a sua música é frequentemente feita da luta de sentimentos contraditórios, é também evidente que a razão está presente, e de que forma! (pela complexidade, pela refinada orquestração ou pela estrutura empregue). O ponto essencial é que a razão não se assume como actor principal, mas surge antes como elemento de ordenação, que dá sentido ao sentimento. É esta a diferença fundamental entre estes dois tipos de abordagem. A razão surge em Mahler como elemento que torna o discurso inteligível, que através da linguagem musical insere o sentido do discurso na existência do ouvinte.

Se assim é, música é subjectividade. Sem esta, aquela pode sequer existir, sem um receptor nada é possível. Ao ignorar a sensibilidade do ouvinte, esta música matemática (chamemos-lhe assim) comete uma espécie de suicídio. Ironicamente, torna mais interessante a leitura do ensaio do que a audição da partitura que o musica.

Saturday, December 13, 2008

Ouvindo: Bach à la Bruckner

Tenham atenção ao catálogo da Deutsche Grammophone este natal. As "caixinhas" estão em promoção até ao final do ano. Já cá cantam duas: esta e o ciclo de Brahms pelo Bernstein. Os preços são muito, demasiado convidativos...

Friday, December 05, 2008

Harry Haller, Brahms e Mozart

“Debruçado sobre a balaustrada, contemplei profundezas infindáveis; nuvens e brumas vogavam nos ares; montes e areais ressaltavam no crepúsculo e, abaixo de nós, estendia-se, a abarcar o universo, uma planura desértica. Nessa vastidão destacava-se um homem idoso de aspecto venerável, com longas barbas, que encabeçava melancolicamente um imenso cortejo de algumas dezenas de milhares de homens trajados de negro. Parecia deprimido e desesperado, e Mozart disse:
‘Estás a ver? Aquele ali é o Brahms. Anseia pela libertação, mas daqui até lá ainda tem que esperar um bom bocado’.
Fiquei sabendo que os milhares de figuras negras eram os tocadores das sequências e notas que, segundo o juízo divino, haviam sido supérfulas nas suas partituras.
‘Uma instrumentação densa demais, um desperdício de materiais’, observou Mozart”


Nunca fora para mim muito clara a utilização desta comparação entre Mozart e Brahms que Hermann Hesse estabelece em O Lobo das Estepes (e que por diversas vezes aparece também nos seus cadernos de apontamentos), que julgo agora compreender se pensarmos a obra de Brahms como uma tentativa de reconciliação entre o romantismo germânico e o período clássico. De facto, este confronto entre Brahms e Mozart torna-se, analisado sobre esta perspectiva, num exemplo elucidativo do serviço da razão na composição musical. Brahms falha, arrasta consigo o peso da sua orquestração, porque procura a perfeição formal, a beleza arquitectónica da música Mozartiana, mas não é capaz de realizar a sua função última (que como ninguém, Mozart consegue): a harmonização do Indivíduo com o Universo, do divino e do humano. Assim entendida, a música de Brahms, o peso da sua orquestração, serve como perfeita metáfora para o intelectual Harry Haller que, “nas coisas do espírito mostrava a objectividade quase gelada” mas é incapaz de conciliar o a eternidade e o tempo, o humano e o divino, o lobo e o espírito, permanecendo numa existência em contradição