Poucas são as oportunidades que temos de testemunhar momentos que farão parte da história da arte. Abbado tem vindo a fazer-nos esse convite todos os anos, durante o verão, em Lucerna.
As suas gravações das sinfonias de Mahler e Bruckner com a orquestra criada para este festival são absolutamente exepcionais.
Todos os seus recentes registos ficarão, de resto, para a história. O seu ciclo das sinfonias de Beethoven em Santa Cecília é já uma referência. Ter Beethoven nas mãos não é tarefa fácil. Beethoven é um compositor de transição, não é carne nem é peixe, não é Haydn nem é Wagner. As referências de interpretação tornam-se confusas, deixando muito espaço para a leitura individual. Abbado monta uma orquestra relativamente pequena, tirando assim partido da riqueza tímbrica dos diferentes instrumentos. Todos cantam, todos se ouvem. As explosões não se fazem por brutalidade mas por construção, os tempos não são arrastados, como na maioria das interpretações modernas, nem demasiado rápidos, como nas interpretações históricas, que parecem por vezes comer algumas notas, destruindo o carácter da própria obra. Abbado faz as escolhas certas. É o maior.
Abbado é o maior e é um fixe. É o maestro mais empático e entusiasmante que já vi actuar. Toda a orquestra o segue como que seduzida pelo seu encanto, a cumplicidade faz-se de sorrisos, da sua expressão facial, do seu gesto.
Dos registos das sinfonias de Mahler gosto em particular da segunda. Anna Larsson é brilhante. Quando em alto mar os marinheiros se apaixonavam pelos cantos da sereias deveria ser algo parecido à sua voz que os hipnotizava. Algo como isto não se recomenda, impõe-se! Deixo-vos o momento final desta sinfonia (a audição com o texto é essencial)