Poucas são as oportunidades que temos de testemunhar momentos que farão parte da história da arte. Abbado tem vindo a fazer-nos esse convite todos os anos, durante o verão, em Lucerna.
As suas gravações das sinfonias de Mahler e Bruckner com a orquestra criada para este festival são absolutamente exepcionais.
Todos os seus recentes registos ficarão, de resto, para a história. O seu ciclo das sinfonias de Beethoven em Santa Cecília é já uma referência. Ter Beethoven nas mãos não é tarefa fácil. Beethoven é um compositor de transição, não é carne nem é peixe, não é Haydn nem é Wagner. As referências de interpretação tornam-se confusas, deixando muito espaço para a leitura individual. Abbado monta uma orquestra relativamente pequena, tirando assim partido da riqueza tímbrica dos diferentes instrumentos. Todos cantam, todos se ouvem. As explosões não se fazem por brutalidade mas por construção, os tempos não são arrastados, como na maioria das interpretações modernas, nem demasiado rápidos, como nas interpretações históricas, que parecem por vezes comer algumas notas, destruindo o carácter da própria obra. Abbado faz as escolhas certas. É o maior.
Abbado é o maior e é um fixe. É o maestro mais empático e entusiasmante que já vi actuar. Toda a orquestra o segue como que seduzida pelo seu encanto, a cumplicidade faz-se de sorrisos, da sua expressão facial, do seu gesto.
Dos registos das sinfonias de Mahler gosto em particular da segunda. Anna Larsson é brilhante. Quando em alto mar os marinheiros se apaixonavam pelos cantos da sereias deveria ser algo parecido à sua voz que os hipnotizava. Algo como isto não se recomenda, impõe-se! Deixo-vos o momento final desta sinfonia (a audição com o texto é essencial)
Coro
Rise again, yes, you shall rise again,
my dust, after brief rest!
Coro e Soprano
Immortal life
will be given by Him who called you!
Coro e Soprano
You are sown to bloom again.
The Lord of the harvest goes
and gathers sheaves of us,
who have died.
Contralto e Soprano
O believe, my heart, believe:
Nothing is lost to you!
All you have desired is yours, yes, yours!
Yours, what you have loved and fought for!
O believe, you were not born in vain!
You have not lived or suffered in vain!
Coro
All that is created must perish.
All that has perished rises again.
Cease trembling!
Coro e Contralto
Cease trembling!
Prepare to live!
Contralto e Soprano
O Pain, all-pervading,
I have escaped from you!
O Death, all-conquering,
now you are conquered!
Coro
With wings which I have won
In love’s ardent striving,
I shall soar upwards
to the light which no eye has penetrated!
I shall die in order to live!
Rise again, yes, you shall rise again,
my heart, in an instant!
Your beating
shall lead you to God!