Trabalha-se mal durante a Primavera, é certo, e porquê? Porque se sente. E porque é obtuso todo aquele que pensa que um criador deve sentir. Cada artista verdadeiro e sincero sorri face à ingenuidade deste erro de amador - melancolicamente, talvez, mas sorri. Pois aquilo que se diz não pode ser nunca o primordial, mas apenas e por si só o material indiferente, a partir do qual o produto estético é construído em superioridade engenhosa e serena. Se a toca demasiado aquilo que tem a dizer e o seu coração bate quente por isso, então pode estar certa de um total fiasco. Tornar-se-á patética, sentimental, algo de pesado, grosseiramente sério, não dominado, nada irónico nem apimentado, chato, banal vai surgir nas suas mãos e nada senão indiferença nas pessoas, nada senão desilusão e lamento em si própria surgirá no fim... Pois é assim, Lisaveta: o sentimento, o quente, efusivo sentimento é sempre banal e inútil, artísticas são apenas as irritações e os gélidos êxtases do nosso perverso sistema nervoso de artista. É necessário ser-se algo para lá do humano, algo de desumano, para se ter em relação a tudo o que humano uma posição bastante afastada e não participativa, para estar em condição de, e sobretudo para se ser sequer tentado a jogar com ele, a descrevê-lo desta forma eficaz e com gosto. O talento para o estilo, a forma e a expressão pressupõe precisamente esta fria e selectiva atitude para com o humano, sim, até um certo empobrecimento e abandono do humano. Pois o sentimento saudável e forte, e isto é que é certo,não tem gosto nenhum. Um artista está acabado se se torna humano e começa a sentir.
de Tonio Kröger ,Thomas Mann.
p.s. O excerto trata sobre a criação artística. Tonio Kröger é escritor.