Oiço o quinteto com clarinete de Brahms. Há já algum tempo que faço um esforço para conhecer a sua obra. Trata-se sem dúvida de boa música mas, à execpção do requiem alemão, nunca aguento até ao fim. Brahms aborrece-me.
Há já alguns meses comprei este CD. Carlos Kleiber e Richter juntos, uma dupla de peso e um concerto para piano que desconhecia. Aliciantes mais do que suficientes para justificar os 10 euros necessários para a compra.
O concerto porém revelou-se uma pequena desilusão, e por mais brilhante que seja a interpretação, se a obra não agrada, o resultado final não pode ser outro, aborrecimento.
Esgotadas as duas razões que levaram à compra do CD ,surgiu no entanto uma terceira, esta sim capaz de tornar a gravação numa referência indispensável. Richter toca a "Wanderer Fantasy" de Schubert, e fá-lo como ninguém. Eu que em Schubertianos até sou um pouco ortodoxo e fico-me quase sempre por Brendel ou Arrau, aqui, prefiro Richter.
Anner Bylsma é um grande violoncelista, daqueles a quem o nome "senhor" assenta realmente bem. As suas gravações quase desapareceram do mercado português e, enquanto a Sony inisitir em desprezar a nossa península, assim continuará. Valha-nos a Amazon.
Caído num mundo que não é o seu, restam entre outras intermédias, duas altenativas ao Homem. Abraçar a sua condição mais primitiva, maximizar as suas experiências mais mundanas, embarcar no mundo dos sentidos ou, segunda opção, procurar perscrutar a voz do espírito, do belo. Nos seus casos mais extremos, a primeira conduz à degradação, à decadência, a segunda, através da mortificação, a um estado último de graça, de aceitação do sofrimento.
Mozart é nesta perspectiva o caso mais intrigante da história da música. Contam as suas biografias que não se privou de uma vida repleta de vinho, festas e mulheres. Ao mesmo tempo porém, compunha a música mais próxima daquela que será a voz dos deuses, de uma beleza imaculada, que nos atiram para o tal sentido do mundo. Não existe nada que se assemelhe à sua obra (talvez em outras artes exista, desconheço essas; mas na música é seguramente caso único). Mozart é o belo feito música, o espírito feito som.
A própria vida de Mozart torna-se assim objecto de verdadeiro fascínio, que se nos apresenta desconcertante, destruídora de todas as certezas.
Música e Literatura - Post IV (ou ainda sobre o sentido do mundo)
"Sobre a palavrosa salgalhada do artigo de jornal elevou-se em mim retrospectivamente uma gargalhada libertadora, e subitamente, numa fracção de segundo, acorreu-me de novo à ideia a melodia esquecida daquela pianola, e ei-la que sobe dentro de mim como uma bolinha de sabão espelhada, reflectindo cintilante o mundo inteiro, pequena e colorida, para de novo suavemente se desvanecer. Se era possível que esta pequena melodia celestial se alojasse secretamente na minha alma e um dia de novo desabrochasse em mim a sua flor maravilhosa de cores de encantar, poderia eu estar de todo perdido? Mesmo sendo um animal desgarrado, incapaz de compreender o mundo em seu redor, mesmo assim, a minha vida absurda tinha um sentido, algo em mim respondia, era como que um receptor de apelos de mundos longínquos e elevados;"