Com o decorrer dos anos da adolescência somos inevitavelmente confrontados com a armagurante descoberta do eu. É nesta altura das nossas vidas que nos sentimos, pela primeira vez, verdadeiramente sós. É nesta fase que se descobrem universos para além do constituído pela candura do lar. Assume-se o nome que se carrega, compreende-se o mistério da individualidade. É a partir daqui que passsamos a entender-nos a nós próprios como uma entidade distinta de todo o resto, do grupo a que pertencemos ou no qual fomos criados. É esta a descoberta que nos permite passar da infância para a idade adulta: a consciência do universo que constitui a individualidade, a consciência do mistério do eu.
Quase toda a geração do século XIX compõe música música sobre esta revelação. Quase toda a música deste século fala-nos da relação desse universo pessoal com o mundo exterior. Das sensações que este provoca sobre o indivíduo. À excepção da composta por Mendelsohn, quase toda a obra da geração do século XIX é profundamente pessoal, virada para dentro, em conformidade com o ideal do artista romântico. Por isso fala-se muito de amor, dos sentimentos que este desperta no compositor. Talvez por isso, pela intimidade que sugestiona, a música de câmara seja marca tão evidente deste período. Pensemos nos trios de Schubert, na música para piano de Chopin, Schumann.
Também a música de Mahler, ou mesmo a de Bruckner, resulta de um profundo sofrimento e é, nessa medida, marcadamente pessoal. A abordagem do sofrimento dá-se, porém, a um nível superior ao do trabalhado pelos compositores de 1811. Esta trata agora da adequação, ou não, dos dois universos em confronto. Na obra destes compositores do romantismo tardio, questiona-se a relação da própria existência do compositor com um mundo que se apresenta estranho, indiferente ou mesmo adverso. Talvez seja deste confronto que resulte a orquestração desmedida das suas obras, talvez esta nasça do choque destas duas realidades. Trocado por miúdos podemos por as coisas mais ou menos nestes termos: Mahler já não mais pergunta se vale a pena a vida sem o amor, mas se o próprio amor vale a pena.
Pelo carácter metafísico que as suas composições carregam, ouvir Mahler e Bruckner torna-se assim bastante mais exigente. Porém, apenas esta obra é capaz de despertar no ouvinte a experiência de uma real transcendência, de fazê-lo experimentar o abismo que constitui a vida. Apenas esta música é capaz da derradeira redenção.